Is 50, 4-7; Filip 2, 6-11; Mc 14, 1 – 15, 47
“… na verdade, este homem era Filho de Deus”
Tudo em oito dias … Dos aplausos da Cidade Santa à Última Ceia, do julgamento diante de Pilatos ao Calvário, do túmulo à ressurreição.
Por isso, silêncio! Depois deste longo Evangelho de Marcos, nem precisaríamos de tecer algumas palavras. Urge silêncio para recuperarmos do profundo mergulho no sofrimento de Jesus, no qual estas mesmas palavras do Evangelho nos deixaram.
Disto, já dizia o teologo luterano alemão Dietrich Bonhoeffer: “os homens vão a busca de Deus nas suas tribulações, clamam por socorro, pedem pão. E isto, todo mundo faz, todo mundo. Já os cristãos, pelo contrário, estão próximos de Deus no seu sofrimento”. Pois, é isto que faremos nesta semana santa, quando passam os dias do nosso destino: manifestar a nossa vizinhança a Deus na sua paixão, morte e ressurreição.
Na verdade, se acreditamos que Cristo está em cada homem, que todos juntos formamos o único corpo de Cristo, então podemos sentir que Cristo está em agonia até o fim dos tempos, é ainda crucificado hoje em muitos irmãos e irmãs, em toda a terra. A cruz, então, se torna contemporânea a mim, a ti, a nós. E nós, não seríamos espectadores, mas sim participantes da paixão de Cristo, vivendo a sua cruz, as cruzes infinitas do mundo.
E deste mesmo mundo, eis a zombaria: “Salvou os outros e não pode salvar-Se a Si mesmo!… desça agora da cruz, para nós vermos e acreditarmos”. Qualquer homem, qualquer rei, se pudesse, desceria da cruz. Jesus, não. Só um Deus não desce do madeiro da cruz, só o nosso Deus. Ele é um Deus único é diferente: é Deus que entra na tragédia humana, assume a morte porque aí vão todos os seus filhos e filhas.
Ele sobe a cruz para estar comigo, contigo, conosco, para que nós possamos estar com Ele e ser como Ele. Estar na cruz é o que Deus, no seu amor, deve ao homem que está na cruz deste mundo. Porque o amor congrega em si muitos deveres, mas o primeiro destes deveres é estar com o amado.
Qualquer outro gesto nos teria confirmado uma falsa ideia de Deus. Pois, só a cruz tira todas as dúvidas, é a revelação suprema de Deus. A cruz se torna o abismo onde Deus se torna amante. Onde um amor eterno penetra no tempo como uma gota de fogo e se inflama.
E o primeiro a percebe isto foi o centurião, um estranho, um soldado que era especialista na morte. É um pagão que exprime o primeiro ato de fé cristão “na verdade, este homem era Filho de Deus”: eis aqui a fé completa: a divindade do Messias é reconhecida no escândalo da cruz. O que aquele centurião viu naquela morte? Não é um milagre, não é a ressurreição.
Viu a reviravolta do mundo, onde a vitória era sempre dos mais fortes, dos mais armados, dos mais implacáveis. Ele viu vencer o poder supremo de Deus, que é um amor desarmado; que é dar a vida até mesmo àqueles que te matam; que é servir, não ser servido; que é superar a violência assumindo-a no próprio corpo. Ele viu que este mundo traz outro mundo no seu ventre.
E nós aqui perplexos, a princípio, mas depois maravilhados, porque, como as mulheres, como o centurião, como os santos, sentimos que na Cruz há atração, há sedução e beleza. A beleza suprema da história é aquela que aconteceu fora de Jerusalém, no Calvário, onde o Filho de Deus se deixa pregar, pobre e nu, para morrer de amor.
Caríssimos, a nossa fé repousa na coisa mais linda do mundo: um perfeito ato de amor. A cruz é a imagem mais pura, elevada e bela que Deus deu de si mesmo. Desde então, “para saber quem é Deus, só preciso me ajoelhar aos pés da Cruz” (K. Rahner, um dos mais influentes teólogos do século XX). Que, agarrando-se à sua Cruz, o Senhor nos abra os olhos para uma fé viva, de modo que O possamos reconhecer, amar e servir.
Boa meditação, caríssimos. JB