Rua Pe. Martinho Pinto da Rocha São Tomé, São Tomé e Príncipe

2º Domingo de Páscoa – Ano B

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Act. 4,32-35; 1Jo 5,1-6; Jo 20, 19-31

“A paz esteja convosco… Creste porque me viste? Bem-aventurados os que não viram, e creram!”

Ainda estamos no meio da Ressurreição do Senhor. Os apóstolos, “estando fechadas as portas da casa onde se encontravam, com medo dos judeus”, não sabem o que fazer e o que esperar. Então, juntamente ao sentimento de culpa, eles devem se recuperar do trauma dos eventos recentes: paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo.

Diriam os discípulos: “É tudo tão estranho! No entanto, o Senhor ressuscitou … mas quem é Ele realmente? Os discípulos de Emaús O viram depois que morreu e ressuscitou (cf. Lc 24,13-35); as mulheres falaram com os anjos (Mc 16,17; Mt 28,1-8) … Já não entendemos mais nada!” Mas, em que eles deveriam acreditar? E, enquanto eles falavam, “veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: ‘A paz esteja convosco’” Ele vem mesmo com as portas fechadas. Certamente isso não é mágico, porque Jesus está vivo, ressuscitou, está próximo dos amigos da época como está perto de nós.

Quantas vezes, também nós, fechamos as portas do nosso coração? Muitas! Quando não somos acolhedores, pacientes, disponíveis. Quando estamos longe de Deus, ocupados nas mil atividades do nosso dia. Nós nos separamos dele quando cometemos pecados que aos nossos olhos diminuem a auto-estima que temos de nós mesmos; que aos nossos olhos não nos perdoaríamos – nem que seja pelo orgulho – pensando então que nos separamos de Deus. Outra porta fechada que pode nos separar de Deus é a deceção, quando Deus não intervém na nossa vida, quando Deus não age, quando temos a impressão de que não satisfez às nossas orações.

E assim, nesses momentos, nosso coração está fechado como um cofre. Mas sabeis o que Jesus faz? Ele fica batendo na porta e nunca se cansa porque Ele quer dar o seu amor a todos! É interessante que a Boa Nova do Evangelho de hoje diz que, quaisquer que sejam as nossas “portas fechadas”, o Ressuscitado passa elas. Ele atravessa as paredes, passa por todos os sistemas, todas as portas blindadas atrás das quais tentamos nos proteger, na maioria das vezes, não dos outros, mas do próprio Deus. Qualquer que seja o lugar em que estivermos, Ele nos alcança, não nos censura, nem manifesta a sua deceção por nossa deserção, por nossa culpa. Não! Jesus não censura seus discípulos nem por um momento, pelo contrário, como já escutamos: “veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: ‘A paz esteja convosco!’”

E a paz, do ponto de vista teológico, é a relação com Ele, é a reconciliação, é Deus quem vem nos dizer, “agora não há mais obstáculo na relação entre Eu e tu, pois venci o pecado”. A presença de Jesus, portanto, dá paz e dissipa todas as dúvidas em quase todos os seus discípulos, com exceção de Tomé. Ele, “não estava com eles quando veio Jesus”, e, portanto, quando seus amigos lhe contam o que aconteceu, ele afirma “se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei”.

Tomé, ademais, representa a todos nós, que enquanto acreditamos, enquanto pensamos que acreditamos, na realidade continuamos a resistir, continuamos a duvidar. Eis que Jesus, oito dias depois, não se escandaliza com as dúvidas de Tomé, não o censura pelo esforço de acreditar, mas volta a aproximar-se dele e diz: “põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente”.

Infelizmente, com esse pano de fundo empirista, os apóstolos negligenciam o que Jesus havia dito anteriormente sobre Si mesmo e o que as Escrituras diziam sobre Ele, para cair na obstinação de não crer abertamente e com confiança. Mas, o que significa acreditar? Nada mais do que confiar e abandonar-se ao mistério, sem resistir a ele nem fazer qualquer objeção e, sobretudo, redescobrir o sentido da própria vida neste mistério e nele explicar a realidade total (cf. Cardeal Ratzinger, hoje Papa Emérito Bento XVI). Em outras palavras, crer significa abrir o coração para confiar e esperar e aceitar imediatamente como verdade o que Deus opera e faz por nós, independentemente das provas tangíveis ou dos fatos indiscutíveis da vida.

Ora, a Ressurreição é o mistério principal que funda a nossa fé, e é necessário aderir a ela com espontaneidade e sem reservas, a confiarmo-nos nela, tendo a certeza que mudará a nossa vida para melhor, pois nós próprios estamos destinados a ressuscitar com o Ressuscitado. Certamente as provas do acontecimento estão aí e são bastante convincentes e indiscutíveis, também porque a Ressurreição não é uma questão de raciocínio ou de ciência, mas de coração, de fé; deve ser aceite sem discussão e sem questionar a omnipotência de Deus. Diante do facto de Jesus ressuscitado, em vez de nos deixarmos agredir com a pretensão de recorrer ao toque das mãos e do lado, torna-se imperativo dizer apenas: “Eu creio!” “Credo ut intelligam”, como dizia Santo Anselmo, inspirando-se em Santo Agostinho, creio para compreender o mistério inefável de Deus.

Em vez disso, Tomé, só depois de ter compreendido, exclama: “Meu Senhor e meu Deus”. E aí Jesus proclama a bem-aventurança da fé: “Felizes os que acreditam sem terem visto”. Uma felicidade que sinto minha, tu sentes tua, nós sentimos nossa, que é fácil para todos, para aqueles que lutam, para aqueles que estão tateando, para aqueles que não veem, para aqueles que recomeçam. Para nós, que de oito em oito dias continuamos a nos reunir em seu nome, após milênios, somos felizes porque sem termos visto o Senhor, nós o amamos (cf. 1Pd 1,8).

Pois, não precisamos ver para acreditar. O milagre da fé é esta capacidade em que nos descobrimos capazes de esperar contra toda esperança, de voltar o olhar para o Crucifixo e reconhecer n’Ele o sinal do amor de Deus; esta capacidade que nos é dada de reconhecer a presença do Ressuscitado nas nossas vidas, apesar da sua aparente monotonia e do seu aparente absurdo.

A fé é uma graça muito grande, um dom muito grande. Mas é um dom que deve ser reavivado constantemente, que deve ser constantemente renovado. Renova-se e reavive-se no contacto com a Palavra que nos é dada, como nos diz João no final do Evangelho de hoje: “estes milagres foram escritos para acreditardes”. Precisamos voltar a essas Escrituras; precisamos de escutar, de reler a história e o testemunho desses acontecimentos, a fim de renovarmos a nossa fé. A nossa fé é aquela que abrirá as portas atrás das quais nos fechamos, como diz a segunda leitura: “todo o que foi gerado de Deus vence o mundo” (1Jo 5,4). Deus nos gera com a sua visita como Ressuscitado. Deus nos gera com a água e o sangue que fluem do seu lado, ou seja, com o perdão que Ele nos dá quando sopra sobre nós e recebemos o Espírito Santo.

“E esta é a vitória que conquistou o mundo: a nossa fé” (1Jo 5,4). Claro, muitas vezes temos a impressão de ter uma fé muito pequena e muito frágil. Uma fé hesitante, uma fé que não percebemos, não sentimos. E às vezes somos tentados a acreditar que ela não existe. Na verdade, caríssimos, o milagre da fé está precisamente neste seu crepúsculo. O milagre da fé está precisamente no fato de que não o sentimos, mas só o descobrimos quando vemos o impacto que tem nas nossas vidas; somente quando vemos que isso nos leva a fazer coisas que nunca teríamos feito se não fossemos crentes.

É a nossa fé que nos ajuda a conquistar o mundo. Por essa fé, devemos constantemente agradecer ao Senhor. Mas esta fé de Jesus, que devemos pedir constantemente ao Senhor, está connosco: esta é a Boa Nova da ressurreição. Anunciemo-la, exclamamos incessantemente, repetidamente na nossa oração, juntamente com Tomé: “Meu Senhor e meu Deus”! Que o Senhor nos conceda a paz e a graça de reconhecê-Lo presente na nossa comunidade, para que haja um só coração e uma só alma, comunhão e união entre nós, dando testemunho ao mundo da sua ressurreição (cfr. Act. 4,32-35).

Boa meditação, caríssimos. JB