Ez 2, 2-5; 2Cor 12, 7-10; Mc 6, 1-6
“Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa”
Jesus regressou a Nazaré, “sua” terra, “seu” povo, “seus” parentes e “sua” casa, onde a fama do seu operado, como Mestre sábio e Poderoso curador já O tinha precedido. E como bom judeu, ao sábado, Ele vai à sinagoga e, conforme o rito, “começou a ensinar”. Estando entre os “seus“, era de se esperar uma receção favorável, talvez movida pelo orgulho por aquele concidadão que se tornou famoso.
Mas não, muito pelo contrário: “muitos dos que ouviam se admiravam e diziam: ‘De onde Lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que Lhe foi dada e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos? Não é Ele o carpinteiro, filho de Maria, e irmão de …? E não estão as suas irmãs aqui entre nós?’”. Em outras palavras: seus concidadãos mesmo ficando maravilhados com a sua sabedoria, a familiaridade a nível humano os impediu de ir além e abrir-se à dimensão divina e se tornaram incrédulos.
Surpreendidos pelo carpinteiro que se tornou profeta, perplexos, se perguntariam: “Como pode ele falar, se não estudou? Como ele agora age como profeta, se conhecemos todos os seus familiares? Em casa muitos de nós têm uma mesa feita pelo seu pai José ou um banquinho feito por ele, filho! Por que ele se vende agora como profeta impostor? De onde ele teria tirado toda essa sabedoria?” E vão do espanto e aplauso à desconfiança e rejeição. Pois, caríssimos, quando o coração não ora, se torna duro e se orgulha. E, a propósito, o Papa Francisco afirma o seguinte: “Deus não se conforma com os preconceitos. Devemos esforçar-nos por abrir o coração e a mente, para acolher a realidade divina que vem ao nosso encontro” (Angelus, 08.07.18).
E Jesus, como sempre acontece, desarma as nossas demandas, as dos seus concidadãos, comentando a recusa da parte deles com uma frase que se tornou proverbial: “um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa”. A amarga, embora realista, apreciação de Jesus parece dizer ainda mais. Parece uma antecipação do que acontecerá logo depois, quando a rejeição d’Ele se estenderá de sua casa, de seus parentes, de seu povo, de sua terra à toda pátria Israel, de Nazaré aos chefes da nação. E daí, por trás das palavras mesquinhas dos seus concidadãos, já se delineava a cruz.
E é mesmo assim! E assim foi para muitos outros que seguiram os seus passos ao longo da história, com a devida proporção, também acontece até aos nossos dias. A preguiça, a inveja, o torpor, a presunção, às vezes os cálculos de conveniência, nos impedem de abrir as nossas mentes para o novo; é mais fácil rejeitar a novidade do que tentar entendê-la e admitir dela, quando existe, a bondade.
Jesus é o inédito de Deus, o inédito do homem; veio trazer um “ensinamento novo” (cf. Mc 1, 27), veio para colocar o homem em primeiro lugar, para inverter a lógica do sacrifício, sacrificando-se Ele mesmo. E neste caso, quem é homologado à velha religião não se reconhece no profeta que tem diante de si, porque não se reconhece naquele Deus que lhe é anunciado: um Deus que concede graça a cada filho – “basta-te a minha graça” (2 Cor 12.9); um Deus que concede incondicionalmente a misericórdia – “filho, os teus pecados estão perdoados” (Mc 2,5); e um Deus que faz “novas todas as coisas” (Ap 21,5).
E ademais Jesus não fala como um dos mestres de Israel, que têm uma linguagem elevada e “religiosa”, mas usa palavras simples, de terra, horta, lago, aquelas do dia a dia. Conta parábolas populares, que todos podem compreender (…), onde um rebento, um grão de mostarda, um figo, se tornam personagens de uma revelação. Perguntaríamos então, onde está o sublime, o transcendente? Onde está a grandeza e glória do Altíssimo? É sim, a humanidade de Deus, a sua proximidade escandaliza. Pois, a nossa expectativa é que Deus não fosse um de nós e como nós, e gostaríamos que Ele se manifestasse de uma forma notável e extraordinária, com grande espetacularidade.
Nós não compreendemos, porém, que Ele prefere o baixo perfil, e a sua modesta ação nos atinge nas coisas do dia a dia, nas pequenas alegrias que experimentamos, incitando-nos a subir as escadas da conversão, interrogando-nos sobre a santidade. Nós não compreendemos! Já os santos entenderam isso! Vamos nos tornar, portanto, santos. Como dizia San José Maria Escrivã, sacerdote e fundador da Prelazia Santa Cruz e Opus Dei, “se a conversão é momentânea, a santificação é obra de uma vida”.
E isto é precisamente a boa nova do Evangelho: Deus se encarna, entra na normalidade de cada vida, abraça a imperfeição do mundo, que para nós nem sempre é compreensível, mas não para Ele. Em vez de rejeitar, como fizeram os nazarenos, fixando-se na normalidade da vida de Jesus, escandalizando-se e distanciando-se, acolhamos a singularidade da sua Palavra.
Acolhamos tudo o que vem da Verdade que está contida na sua Palavra, oferecida a nós pelos seus profetas, mesmo que destes conheçamos os hábitos e as fraquezas. Na verdade, sabendo que é nesta última que todo o poder de Cristo se manifesta, Paulo nos faz lembrar, dizendo “de boa vontade me gloriarei das minhas fraquezas, para que habite em mim o poder de Cristo. Alegro-me nas minhas fraquezas, nas afrontas, nas adversidades, nas perseguições e nas angústias sofridas por amor de Cristo, porque, quando sou fraco, então é que sou forte” (2 Cor 12, 9- 10).
Não é em vão que o Evangelho, mesmo referindo-se que Jesus “não podia ali fazer qualquer milagre”, se corrige imediatamente afirmando que Ele “apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos”. Então, mesmo rejeitado, Ele não desiste, ainda cura, mesmo que sejam poucos aqueles que têm fé, mesmo que seja um crente. De facto, os milagres de Jesus não são uma exibição de poder, mas sinais de amor de Deus que nos vem ao encontro, que se realiza onde encontra a fé do homem na reciprocidade. Escreve Orígenes: “Do mesmo modo que para os corpos existe uma atração natural da parte de uns para com os outros, como o ferro atrai o íman… também tal fé exerce uma atração sobre o poder divino” (Comentário ao Evangelho de Mateus 10, 19).
Só a fé, portanto, ajuda a reconhecer os milagres de Jesus, e enquanto encontrar fé, mesmo que seja “do tamanho de um grão de mostarda” (Mt 17,20), rejeitado, Ele não se torna desanimado. Ele, o Amor por excelência, não se cansa – “percorria as aldeias dos arredores, ensinando” –, apenas se maravilha com a incredulidade de alguns; mas Ele não tem rancores. E, de facto, perante uma “nação de rebelde” qual a humanidade, Deus já tinha avisado Ezequiel: “quer te escutem, quer não, mas saberão que há um profeta no meio deles” (Ez 2,5). Deus decidiu fazer companhia ao seu povo, decidiu estar no quotidiano de cada um, como um prodígio, como uma semente de fogo no meio do coração.
Sendo assim, cabe a nós nos despirmos da nossa incredulidade e identificarmos, nos acontecimentos de cada dia, o rosto impercetível e discreto de Deus nas nossas vidas. Acolhamos a profecia, mesmo quando vem de pessoas comuns, que Ele usa para nos alcançar onde vivemos e onde quer que estivermos.
Boa meditação e “bón djàgingù da tudu nancê”. JB