Rua Pe. Martinho Pinto da Rocha São Tomé, São Tomé e Príncipe

22º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO B

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Martírio de S. João Batista 

Dt 4, 1-2.6-8; Tg 1, 17-18.21b-22.27; Mc 7, 1-8.14-15.21-23

Deixais o mandamento de Deus para vos prenderdes à tradição dos homens”.

 

O Evangelho de hoje trata de um tema muito delicado: a relação entre a fé e as nossas atitudes exteriores, quanto estas podem ser reveladoras da nossa fé e quanto não têm nada a ver com a mesma fé.

Os fariseus e escribas, campeões na tradição dos antigos e fautores do ritual externo da religião que veio de Deus, vendo estás mesmas práticas bem estabelecidas e intangíveis desafiadas pelo comportamento de Jesus, junto com seus discípulos, perguntam-Lhe: “Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos, e comem sem lavar as mãos?

Como de costume, o Senhor lhes responde, usando as Escrituras: “Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. É vão o culto que Me prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’… (cf. Is 29,13) ”.

Seu coração está longe de Mim”.  O Mestre coloca o coração do homem no centro da religião.  Seu coração – que deveria ser fiel, misericordioso, puro, generoso – está longe de mim”.  E quando nosso coração está longe de Deus, estamos implicitamente longe do homem (do próximo), e surge da nossa parte a hipocrisia, a incoerência, ou seja, a não correspondência entre o que professamos e o que vivemos.

Caríssimos, o grande perigo, para os crentes de todos os tempos, é viver uma religião do “coração distante de Deus”, uma religião de fachada – como disse o Papa Francisco -, “religiosidade que não envolve a vida humana, que não questiona a consciência nem a sua responsabilidade perante o bem e o mal” (Angelus, 27.09.20).  Acrescentaria, feita de práticas externas, de fórmulas recitadas apenas com os lábios, para se deliciar com o incenso, a música, a beleza das liturgias;  mas longe do próximo, ou seja, ignorando-o, sendo indiferente a ele e não se importando com ele.

Em vez disso, São Tiago afirma que a “religião pura e sem mancha, aos olhos de Deus, nosso Pai, consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo” (Tg 1,27). O que os fariseus e os escribas contradiziam, “ensinando doutrinas que não passam de preceitos humanos” ao povo.

Eles, quanto ao livro  do Deuteronómio 4, 2 que prescrevia  “não acrescentareis nada ao que vos ordeno, nem suprimireis coisa alguma”, negligenciaram os mandamentos de Deus, acrescentando pequenos preceitos, forjando tradições e religiosidade que distorcem completamente a imagem de Deus. Eles pensavam que, observando esses preceitos escrupulosamente, tornavam o homem agradável a Deus.

E Jesus contesta essa interpretação restritiva da Lei, lembrando-nos que as normas nos ajudam a viver bem, mas não nos fazem merecer a benevolência de Deus – que é gratuita.  Ele nos convida, no cumprimento das normas, a distinguir as que vêm de Deus daquelas que são fruto apenas da tradição, isto é, que tenhamos o seguinte fator discriminatório: se as leis, mesmo as mais solenes, humilham o homem, não vêm de Deus, mas são o resultado de escolhas puramente humanas.

Tudo, portanto, deve ser colocado no horizonte do amor a Deus e ao próximo e não na ilusão de “nos colocarmos em ordem” exteriormente.  Na verdade, “não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro. O que sai do homem é que o torna impuro”.  São as coisas que saem de seu coração.  Se o coração humano está poluído, se as más intenções levam ao mal, a sujeira moral permeia toda a nossa alma: não se trata de alimentos puros ou impuros, ou da lavagem das mãos, mais sim tudo se deve mais ao que sai do coração (isto é, no sentido antigo: da mente, do espírito).

Portanto, mais do que a exterioridade, diante de Deus devemos temer em nós a hipocrisia, a falsidade e a incoerência, em suma, a impureza da alma e a contaminação do coração. Devemos zelar pelos nossos pensamentos, dos quais brotam nossas ações: boas ou más intenções saem das nossas profundezas, levando a concretização do bem ou do mal.

E a este respeito, disse o Pastor de Hermas 27,1 (texto paleocristão do II século): “Sê simples e inocente, e serás como as crianças que não conhecem o mal que destrói a vida dos homens”. Que o Senhor, libertando-nos de toda expressão de religiosidade falsa, estéril e formal, nos ajude a purificar a nossa mente e a garantir que a nossa vivência quotidiana seja um reflexo daquilo que professamos.

Boa meditação, caríssimos e “uwã santù djàgingù da tudu nancê”. JB