S. Francisco de Assis (séc. XIII)
Lc 10, 25-37
“… querendo justificar-se, perguntou a Jesus: ‘E quem é o meu próximo?’”
O Evangelho de hoje nos apresenta a parábola de bom samaritano, uma página de intensa profundidade humana e grande profundidade teológica, que exerceu um fascínio sobre os leitores de todos os tempos, porque traz consigo uma situação que tem o poder comunicativo dos fatos concretos da vida.
Pois, a vida, na parábola, se encontra no caminho de Jerusalém a Jericó: tanto do infeliz assaltado pelos bandidos como do peregrino que testemunhou a violência.
Enquanto isto, o sacerdote e o levita, os primeiros a descerem pelo mesmo caminho, enfrentam um dilema: transgredir a lei do amor ao próximo, ou a da pureza jurídica que evita o contato com o sangue. Eles escolhem a coisa mais confortável e fácil: a indiferença, “cada um por si, Deus para todos”, portanto, não tocaram, não interferiram, contornaram o obstáculo para permanecerem “puros”, externamente, pelo menos. Mas o coração está poluído, a consciência sangra.
Tocam nas coisas de Deus no templo, e não tocam na criatura de Deus, criada à sua imagem e semelhança (Gn 1,26), agonizante pela estrada da vida: absurdo da vida de fé e esquizofrenia religiosa. Quanta cumplicidade entre a falsidade e a injustiça!
Deles é uma religião de fachada onde a fé não ilumina a vida, pelo contrário, a murcha. E gestos, objetos religiosos, ritos e regras “sagradas” acabam obscurecendo a face de Deus que se revela no homem. É hipocrisia manifestar uma fé que não existe, com a falsa pretensão de usá-la ao bel-prazer.
Pode acontecer connosco também se vendermos o espírito do Evangelho, substituindo-o por pequenas regras derivantes das tradições, obscurecendo a face de Deus no homem. Pois, como dizia Paul Claudel, grande poeta e dramaturgo francês (1868-1955): “a chave para um homem está nos outros: é o contato com o próximo que nos ilumina sobre nós mesmos”.
“E quem é o meu próximo?” O samaritano viajante é o próximo do homem moribundo: “vendo-o”, “encheu-se de compaixão”, “aproximou-se”, “ligou-lhe as feridas”, “deitando nelas azeite e vinho”, “colocou-o sobre a sua própria montada”, “cuidou dele”. São verbos de movimento com carga infinita de amor: exalam humanidade e coerência: “misericórdia eu quero e não sacrifícios” (Mt 9,13), diz o Senhor. A piedade vale mais do que regras litúrgicas ou doutrinais.
O samaritano, então, considerado um herege e estrangeiro, ajudou não quem merecia a sua ajuda (rival judeu), mas o homem que sofria a berma da estrada; amou não quem ele sabia que deveria amar, mas sim amou o homem sem distinção. O mesmo acontece com Deus e seus filhos. Por isso, caríssimo: “vai e faz o mesmo”.
Boa meditação e bom inicio da Semana, caríssimos. JB