Dt 6, 2-6; Hb 7, 23-28; Mc 12, 28b-34
“Amarás o Senhor teu Deus… Amarás o teu próximo …”
O Evangelho deste Domingo apresenta-nos a essência do cristianismo: o amor. A partir do Antigo Testamento, o povo de Israel confessa a sua fé no único Deus, “escuta, Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Dt 6,4) – palavras que constituem a profissão de fé que os judeus fiéis, ao longo dos séculos, e ainda hoje, recitam várias vezes ao dia (o famoso Shemã). Tais palavras seriam como o Pai Nosso para nós, cristãos.
“Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” Dt 6,5). O “coração”, a “alma” e as “forças” caracteriza o homem na sua totalidade segundo as diferentes dimensões: o coração é o centro profundo da sua pessoa, onde nascem as afeições e amadurecem as decisões; a alma indica toda a sua existência permeada pelo fôlego de vida; as forças dizem a completude do seu corpo vivo, todas as suas energias e recursos, incluindo os físicos. Em última análise, toda a realidade do homem, todo o seu ser, Deus quer total e exclusivamente para si.
E o conteúdo deste famoso texto, que na sua forma positiva re-expressa de forma mais profunda e completa o primeiro mandamento do Decálogo – “Não terás outros deuses além de mim” (Dt. 5,7; Ex 20,3) – é proposto a nós, cristãos, pelo próprio Jesus, com um maior enriquecimento de sentido e com uma surpreendente plenitude, ao responder àquele escriba que lhe perguntou sobre o primeiro de todos os mandamentos, dizendo: “O primeiro é este: ‘o Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente e com todas as tuas forças’. O segundo é este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’”.
Jesus responde fazendo sua a profissão monoteísta do Deuteronómio (cf. Dt 6, 4-5), expressando uma adesão tão intensa e ardente a Deus que nunca foi vivida antes ou depois d’Ele, uma resposta que parece concluída: na vida do crente, em o primeiro lugar está o amor a Deus, porém, – Jesus se apressa em acrescentar – “o segundo é este: amarás o teu próximo como a ti mesmo”.
“Amarás o teu próximo” que vês, para amares a Deus que não vês, e serás crente e credível, caríssimo (cf. 1 Jo 4, 20)! Saiba que o mandamento do amor a Deus, que é indiscutivelmente o primeiro, não pode existir sozinho. Embora permaneçam distintos, os dois mandamentos, como disse o Papa Francisco, “são inseparáveis, aliás, mais ainda, que se sustentam um ao outro. Não obstante sejam postos em sequência, eles são os dois lados de uma única medalha: vividos juntos, são a verdadeira força do crente!” (Angelus, 04.11.18).
Até porque, se nós nos comprometermos a amar apenas a Deus excluindo o nosso próximo, a nossa relação com Deus seria simplesmente falsa, uma farsa, algo inexistente e, portanto, ilusória. Por outro lado, se nós investirmos toda a nossa energia em amar os homens, excluindo expressamente Deus do nosso horizonte, também a relação com o nosso próximo seria simplesmente altruísta, filantrópica e sem Deus, portanto um amor que não é genuíno (atenção às nossas comunidades cristãs de não se tornarem ONGs!). Logo, todo o nosso gesto seria autêntico se e só se for amor a Deus e ao próximo, se amarmos os outros, permanecendo unidos a Ele.
“Amarás a Deus … e ao próximo …”. Jesus, como comenta Bento XVI, “não inventou nem um nem outro, mas revelou que eles são, no fundo, um único mandamento, e fê-lo não só com palavras, mas sobretudo com o seu testemunho: a própria Pessoa de Jesus e todo o seu mistério encarnam a unidade do amor de Deus e do próximo, como os dois braços da Cruz, vertical e horizontal” (Angelus, 04.11.12).
Caríssimos, o Evangelho declara categoricamente que onde Deus é negado, terminamos também negando o homem e sua dignidade, pois onde morre Deus morre igualmente o homem; o primeiro mandamento nunca pode subsistir sem o segundo. Portanto, nada de fundamentalismos e exacerbado individualismo derivantes das ideologias enganosas e lisonjeiras – como por exemplo “afirmar Deus significa negar o homem”; “honrar Deus é desprezar o homem”; “louvar a Deus é menosprezar o homem” – cf. filósofos como Ludwig Feuerbach, Jean-Paul Sartre, etc.).
E é tempo para que cada um de nós, depois de ter escutado ou meditado esta passagem evangélica, entre no seu íntimo e faça um exame de consciência, perguntando a si mesmo: Amo realmente ou estou me enganando que amo? O amor preferencial que tenho por Deus e Jesus encontra a sua concretização no meu próximo? Pois é, caros irmãos e irmãs, se vivermos no amor as múltiplas formas de relação com o próximo, aumentamos em igual medida a nossa relação com Deus. O outro, que é simplesmente e sempre um irmão ou irmã, não é uma parede ou uma porta fechada entre nós e Deus, mas uma porta aberta, uma ponte, um caminho muito direto para Deus.
Ademais, amar o próximo como a nós mesmos é uma atenção constante em fazer aos outros o que gostaríamos que eles nos fizessem (cf. Mt 7,12). É a “regra de ouro”, expressa de várias maneiras em todas as religiões (só para citar alguns exemplos, no Islamismo: “Nenhum de vós chegará a ser um verdadeiro crente até que deseje para o seu irmão o que deseja para si mesmo”; Budismo: “Faze de ti próprio a medida dos demais e, assim, abstém-te de causar-lhes dor”; Hinduísmo: “Não faças aos demais aquilo que não queres que seja feito a ti; e deseja também para o próximo aquilo que desejas e aspiras para ti mesmo”).
Portanto, sobre o primeiro mandamento que o escriba queria descobrir, Jesus lhe mostra praticamente apenas um: “tu amarás”. Um verbo no futuro, como uma viagem sem fim entre o sonho e o compromisso, fazendo-nos compreender que a vida de fé começa com um “tu és amado” e termina com um “tu amarás”, onde, a fazer o elo é toda a ternura de Deus, a sua unicidade e a sua primazia. “Tu amarás…”, e não há outra resposta para o sonho de felicidade do Homem, nem qualquer outro remédio para o mal do mundo. Por isso, desde já, “ama e faz o que quiseres… se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos” (S. Agostinho, Homilias sobre a 1ª Epístola de João).
Que o Senhor nos conceda a graça de escutar a sua Palavra, para que os nossos corações, as nossas almas, as nossas mentes e as nossas forças se abram ao seu amor e ao do próximo.
Boa meditação, caríssimos e “uwã santù djàgingù da tudu nancê”. JB