1Reis 17,10-16; Hb 9, 24-28; Mc 14, 38-44
“Esta viúva … na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver”
No Antigo Testamento, se olharmos com atenção, os personagens particularmente desprezados eram estrangeiros, órfãos e viúvas. Estas últimas, sobretudo, não eram consideradas e, não raro, também eram objeto de abusos e injustiças por parte da sociedade. A viúva era aquela que não tinha mais nada neste mundo. Não apenas era desprovida de bens materiais, mas ao nível sentimental e afetivo, a morte lhe arrancou o parceiro, infligindo-lhe uma ferida, da qual somente Deus, o amor substancial, pode curá-la.
E não é em vão que nas Escrituras Deus se mostra advogado e defensor das viúvas, dos órfãos e dos estrangeiros. O livro dos Salmos nos diz: “o Senhor protege os estrangeiros, ampara o órfão e a viúva” (Sl 146, 9); mas muito antes já nos tinha dito: “Pai dos órfãos e defensor das viúvas assim é Deus na sua santa morada” (Sl 68,6); e Isaías, na sua visão, escuta Deus que lhe diz: “fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva” (Is 1,17).
Pois, a viúva de Zarepta, ao acolher e escutar Elias (cf. 1Rs 17,10-16), rompe a suspeita e a indiferença, e se deixa levar pela fé, esperança e caridade que, já neste relato, se manifestam, mesmo que não seja ainda com a clareza do Novo Testamento: ela tem fé em Deus por meio do homem enviado por Ele, e não poupa na hospitalidade e no acolhimento caridoso, esperando apenas a recompensa do Senhor. E é nesta perspetiva de fé que, no Evangelho de hoje, Jesus olha para a viúva que depositou a sua oferta no templo.
A oferta do templo era um ato de adoração a Deus que também tinha uma relevância social, era também um ato de caridade, como poderia e deveria ser a nossa oferta dominical. Somente Jesus se apercebe daquela viúva, nem mesmo os discípulos; e de fato, a estes, distraídos, ou atentos apenas ao que impressiona, Ele ensina a olhar com amor e atenção até os pequenos detalhes. Ele não contesta a quantidade da oferta da viúva – “deitou duas pequenas moedas”-, antes pelo contrário, garante solenemente aos discípulos: “Em verdade vos digo: esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros …, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver”.
Ao contrário dos outros e de todos nós, ela amou o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, com toda a sua alma, com toda a sua mente e com toda a sua força (cf. Mc 12,30), a ponto de dar tudo o que possuía. Literalmente, se formos buscar a tradução original do Evangelho de Marcos, a expressão “ofereceu tudo o que possuía para viver”, seria forte e determinante: “ofereceu toda a sua vida”.
Daí que, neste seu gesto, o Evangelho nos evidencia a verdadeira escolha: não é a quantidade que importa, mas o amor, o sentimento que nos envolve, o sentido da vida que colocamos naquilo que oferecemos. De fato, a Santa Teresa de Calcutá disse: “não há pobreza pior do que não ter amor para dar”. E a viúva, com o seu gesto caritativo, ofereceu o amor, superou a frívola intenção de querer fazer boa figura, etc. Ademais, a caridade que agrada a Deus é cheia de humildade e desprovida de complacência.
Por fim, o gesto da viúva constitui um modelo transparente do que significa acreditar. Na verdade, acreditar, mais do que aceitar conteúdo intelectualmente, é confiar em alguém, fundamentando a nossa própria certeza e esperança nele. Acreditar em Deus, portanto, não é apenas acreditar no que Deus nos revelou, como fazem os escribas, mas acima de tudo confiar e apoiar-se n’Ele para viver. É o que fez a viúva, ela ofereceu a Deus tudo o que lhe poderia dar uma certeza de vida neste mundo, – como já disse – “ofereceu (a Deus) toda a sua vida”, portanto, uma fé que se apoia e repousa em Deus, do qual certamente virá a ajuda, porque do lado humano a Sua vontade foi realizada com plenitude heróica.
A reprimenda de Jesus aos escribas, portanto, também nos interpela e exige de nós uma séria revisão dos nossos gestos de fé, das nossas liturgias e também das nossas ações de caridade. Por isso, todos nós devemos nos identificar um pouco com cada uma dessas duas viúvas, ou seja, adquirir aquela simplicidade e mansidão, para que possamos nos abrir ao grande dom da fé e da esperança que motivam e fortalecem em nós a caridade nos atos de generosidade concretos para com o próximo.
Que o Senhor, por meio do seu Espírito, ilumine as nossas ações e nos comunique a força para cumprir o que a sua Palavra, através deste Evangelho, nos fez provar, ou seja, a consciência de que dar tudo é viver apenas n’Ele, com Ele, por Ele
Boa meditação, caríssimos e “uwã santù djàgingù da tudu nancê”. JB