Lc 20, 27-40
“Não é um Deus de mortos…”
O levirato, segundo a Lei de Moisés para os judeus, é uma norma que consiste em garantir uma descendência à família, dando em matrimónio a esposa de um homem ao seu irmão, se no caso ele morresse sem deixar a prole. Certo, é difícil de entender isto com a nossa sensibilidade contemporânea, mas a praxe, ainda é praticada hoje nalguns círculos ultraortodoxos em Israel.
Eis que, buscando uma história de levirato sobre casamento de uma mulher sucessivamente com sete irmãos, dos quais todos acabaram por morrer, como também a mesma mulher, sem deixar a prole, os saduceus, descrentes na vida após morte, tentam colocar Jesus em dificuldade no que tange a ressurreição dos mortos.
Eis a pergunta: “De qual destes irmãos será ela esposa na ressurreição, uma vez que os sete a tiveram por mulher?” Jesus desmonta o assunto dizendo que “aqueles que forem dignos de tomar parte na ressurreição dos mortos, nem se casam nem se dão em casamento”.
Reparais bem: Jesus não diz que os afetos acabarão. Na verdade, a única coisa que resta é o amor (cf. 1Cor 13, 8), mas para exprimir o afeto, não será mais o corpo. Na verdade, diz o Catecismo da Igreja Católica n. 997, “Deus, na sua omnipotência, restituirá definitivamente a vida incorruptível aos nossos corpos, unindo-os às nossas almas pela virtude da ressurreição de Jesus”, o corpo se transforma no corpo espiritual.
E os espíritos – diria Jesus – nem se casam nem se dão em casamento; não se regenera em outros espíritos. No entanto, o amor permanece para sempre. As sombras do humano desaparecem: ciúmes e medos. Tudo que é deste mundo ficará neste mundo. A única coisa que vai é o amor, pois, como diz São João da Cruz, “no entardecer da vida seremos julgados pelo amor”.
Caríssimos, o nosso Deus “não é um Deus de mortos, mas de vivos”, que ama a vida e, portanto, a sua gloria é o homem vivente (cf. S. Ireneu). Ademais, nós professamos a fé em Jesus ressuscitado e vivemos com o coração já além do obstáculo, isto é, a vida após a morte. E isto justifica quão distantes estavam do conhecimento desta verdade do evangelho aqueles que, em certos tempos passados, acusaram o cristianismo como religião de mortos!
Além disso, até a palavra “cemitério”, que causa repulsa a quem a ouve, é originária do grego (κοιμητήριον [kimitírion], a partir do verbo κοιμάω [kimáo], “fazer deitar” ou “pôr a jazer”) e significa literalmente “dormitório” (não são em vão as escritas semelhantes nos nossos cemitérios: “Aqui jaz João …”; “Aqui jaz Pedro …”, etc.). Sim, os nossos entres queridos mortos, passaram para a outra margem do rio da vida, mas certamente não para mergulhar na realidade “mortal”, mas para iniciar a verdadeira vida, o encontro definitivo com o Pai.
De fato, encarar a morte como um aspecto interessante da bela aventura existencial, nos torna familiar o pensamento de que também nós a experimentaremos; mas não seremos vítimas de profunda tristeza que, infelizmente, devasta a saúde de uma parte da humanidade.
A propósito, impressiona-me a constatação de Dietrich Bonhoeffer (teólogo luterano alemão, mártir do nazismo), durante a perseguição nazista na Alemanha, pouco tempo antes de ser condenado à câmara de gás: “Jesus está aqui a me dizer: ‘sou Eu o vivente, vencedor da morte’. Como podemos não confiar n’Ele?!” (cf. La fragilità del male. Scritti inediti, p. 129).
Que o Senhor nos fortaleça na fé que se torna certeza da ressurreição e da vida eterna com Ele.
Boa meditação e bom fim de Semana, caríssimos. JB