Bar 5,1-9; Filip 1,4-6.8-11; Lc 3,1-6
É necessário que toda a criatura veja a salvação de Deus
Para nós, homens e mulheres desta época, rodeados por uma civilização de ruídos, invadidos por uma multiplicidade de mensagens, por um caos mais perturbante do que edificante, não é fácil compreender a figura de João Baptista. Este é um dos personagens mais venerados, depois de Jesus e de Nossa Senhora, no imaginário coletivo da nossa Igreja. E a de João é uma figura complexa. Na verdade, desde o início causou muita discussão. O próprio Jesus repreendeu as multidões sobre João: “Que fostes ver no deserto?” (Mt 11,7). E assim, temos um traço característico do Batista: “aquele que clama no deserto”, isto é, um homem que fala, fala em voz alta e clama.
E hoje, 2° domingo do Advento, do púlpito de uma vida severa e essencial, João clama no deserto para todos os homens que espera o Senhor: “Preparai o caminho do Senhor …” Ele é o último de uma multidão de profetas que anunciaram ao povo a salvação prometida por Deus desde a rebelião de Adão. No seu tempo, também João teve que experimentar a dureza de coração de muitos, a ignorância da multidão, sendo os líderes religiosos e políticos de então mais interessados em prestígio e proveito do que no bem comum, identidade e cultura do povo; havia pouca fé em Deus, ideias erradas e confusas sobre o Messias prometido, etc.
Os nossos dias não são tão melhores assim, chamados a distinguir os falsos dos verdadeiros homens de Deus, Ele, hoje, continua a nos enviar outros ‘João Batista’ com a missão de preparar o Seu caminho, apesar da perseguição aberta ou sutil da indiferença, sobretudo nesta nossa Europa (era uma vez terra de cristandade!), onde ultimamente, se chegou a ponto de querer proibir e apagar um simples “Feliz Natal”, os nomes “Maria” ou “João”, tudo em nome da “comunicação correta”, do “politically correct”, em nome da comunicação mais inclusiva possível. É de salientar que a tentativa de recusar, de renegar e querer apagar traços característicos da própria identidade e cultura, manifesta o estado de desaire, ignorância, conspiração e alienação mental em que se mergulharam muitos dos nossos homens.
O curioso em tudo isso, apesar da infidelidade dos homens, Deus continua a amá-los com uma misericórdia incomensurável. Ele persiste em oferecer-lhes a possibilidade de fazer parte do seu Reino, isto é, da sua própria Vida, agora e para sempre. Ele apenas deseja que “toda a criatura verá a salvação de Deus”. E não foi em vão que João pregava “um batismo de penitência para a remissão dos pecados”, conversão do coração, esboço do verdadeiro batismo e da verdadeira conversão anunciados por Jesus, fundados na revelação do amor absoluto de Deus.
Conversão significa, na verdade, tomar consciência de que ainda não somos totalmente habitados por Deus, de que ainda damos prioridade aos ídolos em detrimento de Deus nas nossas vidas. E onde não houver saída, abrir-se-á o caminho, pois, “Deus decidiu abater todos os altos montes e as colinas seculares” (Bar 5,7); e assim, onde todas as perspetivas estavam faltando, o infinito se abrirá; onde se sufocava na angústia (estreiteza), respirar-se-ia o ar livre da novidade de Deus e da sua Páscoa sempre renovada.
Caríssimos, precisamos de fazer amainar esta obstinação de orgulho e arrogância em nós; é necessário “encher os vales, para se aplanar a terra” (Br 5,7) dos nossos corações, feita de frieza e indiferença. E vede que estas são as boas obras a levar a bom termo, para que nos tornemos puros e irrepreensíveis para o dia do Senhor (cf. Filip 1,4.10). João, na sua severa austeridade, é esta voz que nos chama a conversão porque o Senhor está próximo. É uma mensagem simples, mas radical.
Madre Teresa de Calcutá disse: “Não busqueis Jesus longe de vós, porque Ele não está lá fora, mas em vós. Pedis a Ele que vos abra os olhos do coração e vós O vereis e O amareis em vós e em todos”. Talvez, também, a nós foi dirigida o convite de nos juntar a João no deserto do coração, para pedir-lhe o seu batismo de penitência, esperando e operando por um mundo melhor. Veremos assim um largo caminho a abrir-se no deserto, onde o único engarrafamento – mas isso nos deixa felizes – é o da amizade e da paz entre os diversos, como pobres e ricos, fracos e fortes, saudáveis e doentes, “toda a criatura que anela ver a salvação de Deus”. Que Deus, através da sua Palavra nos console hoje ainda um tempo cheio de angústia, e preparando-nos assim para a eminente vinda do seu Filho
Boa meditação, caríssimos e “uwã santù djàgingù de Adventù da tudu nancê”. JB