Is 6, 1-2a.3-8; 1 Cor 15, 1-11; Lc 5, 1-11
A chamada divina: deixar tudo e seguir Jesus
O trecho evangélico que nos é proposto neste domingo começa com uma imagem oposta à do domingo passado, quando Jesus foi expulso de Nazaré pelos seus concidadãos. Hoje, na margem do lago, Jesus está no meio do povo, como nos diz o Evangelho, “estava a multidão aglomerada em volta de Jesus”. Mesmo que isto pareça nos dar ideia de um caos em volta d’Ele, ainda podemos vislumbrar uma imagem linda e terna. Finalmente, aquelas “multidões cansadas e abatidas, como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36) encontraram alguém que sabia falar à sua vida. De fato, muitos se recorriam a Ele, se aproximavam d’Ele, tentando tocá-Lo, a ponto de fazê-Lo “se afastar um pouco da terra”.
Nestas multidões está Pedro que, antes de ser pescador, se reconhece pecador, e prostrando-se exclama: “Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador”. Ele reconhece Jesus como o Senhor, o verdadeiro Senhor de sua vida. E a sua oração é contrária aos sentimentos de Deus, pois Deus, de fato, não se afasta do pecador, Ele se aproxima dele; Ele não veio chamar os justos, mas os pecadores; Ele não veio a busca dos sãos, mas dos doentes (cf. Mc 2,17). E entre estes, além de Pedro, o “homem pecador”, hoje temos Isaías, o “homem de lábios impuros” (Is 6,5); e Paulo, o “menor dos apóstolos e não digno de ser chamado apóstolo, por ter perseguido a Igreja de Deus” (1 Cor 15, 9).
“Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador”. Esta oração de Pedro é uma oração verdadeira, porque está do lado do homem: expressa a verdade de nós mesmos diante de Deus, como pecadores. Pedro, lançando-se aos pés de Jesus com semelhantes palavras nos lábios, representa a imagem mais verdadeira do homem religioso, do verdadeiro crente e exemplo para todos nós. Infelizmente, neste nosso mundo, em que os homens criaram numerosos tronos, diante dos quais não só se ajoelham, mas às vezes até sacrificam a própria vida e a vida dos outros, é necessário recuperar a altura, a profundidade, a singularidade de Deus. Todos nós precisamos redescobrir a fé de Pedro que nos faz ajoelhar diante de Jesus e segui-Lo nas nossas vidas.
Não é em vão que, depois de tudo isso, Pedro e “todos seus companheiros … tendo conduzido os barcos para terra, deixaram tudo e seguiram Jesus”. Eles respondem imediatamente ao chamamento do Senhor, sem colocar condições. É um chamamento que exige um distanciamento radical da vida anterior. Daí que, da profissão de pescadores, os discípulos são chamados a se tornarem pescadores de homens em nome de Jesus.
Também Isaías, do homem perdido porque de lábios impuros (cf. Is 6, 5), se tornou o enviado do Senhor. É claro que isso requer abrir mão dos próprios planos para seguir os de Deus: “Eis-me aqui, podeis enviar-me” (Is 6,8), o profeta Isaías responde generosamente à chamada de Deus, sem que o impulso inicial, porém, possa livrá-lo do cansaço da perseverança. E disto, também nós devemos, hoje, aqui e agora, como Isaías então, para vencer a fadiga e voltar sempre a Deus, pedir continuamente a sua graça.
E sobre isso, Paulo, o “menor dos apóstolos e não digno de ser chamado apóstolo, por ter perseguido a Igreja de Deus” (1 Cor 15, 9), nos ensina como a graça de Deus não foi vã, reconhecendo que a mesma operou nele maravilhas e, apesar de suas limitações, Deus lhe confiou a tarefa e a honra de pregar o Evangelho (cf. 1Cor 15, 8-10).
Caríssimos, nestas três experiências – disse Bento XVI – “vemos como o encontro autêntico com Deus leve o homem a reconhecer a própria pobreza e insuficiência, o próprio limite e o seu pecado” (Angelus, 07.02.2010). Portanto, todo encontro com Deus, se autêntico, nunca deixa o homem como antes: o transforma, porque a consciência da própria identidade, diante de Deus, é um evento de libertação. Assim sendo, se a nossa vida até agora não mudou, é porque ainda não fomos capazes de nos conhecer a nós mesmos e nem mesmo de entender a chamada do Senhor.
Urge salientar, finalmente, que esses três testemunhos de humildade convidam especialmente aqueles que receberam o dom da vocação divina a não se concentrarem nas suas limitações, mas a manter o olhar fixo no Senhor e na sua surpreendente misericórdia, a converter o coração, e continuar, com alegria, a “deixar tudo” para segui-Lo. Na verdade, Ele não olha para o que é importante para o homem: “o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração” (1Sm 16,7), e torna os homens pobres e frágeis, mas que têm fé n’Ele, apóstolos intrépidos e mensageiros da salvação.
Boa meditação, caríssimos e “uwã santù djàgingù da tudu nancê”. JB