Am 6, 1a.4-7; 1 Tim 6, 11-16; Lc 16, 19-3
O futuro da minha, tua e nossa indiferença
No domingo passado refletimos sobre os bens mal adquiridos, muitas vezes através da trapaça, portanto administrador desonesto; e hoje mais uma vez a liturgia nos apresenta o mesmo tema. Desta vez, se fala de bens desperdiçados desnecessariamente, ignorando a Deus e ao próximo. E disto, como sempre, o Senhor nos coloca defronte à duas realidades, duas atitudes, duas propostas de vida entre as quais somos chamados a escolher.
“Havia um homem rico … havia um homem pobre chamado Lázaro …” (Lc 16,19.20). Entre eles, ao invés de ver a diferença do ponto de vista da posição social, procuremos tomá-la como uma abordagem diferente no que diz respeito a vida. O rico é descrito como uma pessoa comodamente despreocupada, que pensa somente em si, viciosamente propensa aos prazeres da mesa, passando o seu dia banqueteando e satisfazendo os próprios desejos e, sem nome, é desprovida de identidade, pois se identifica com as suas riquezas, que se tornaram a sua segunda natureza, sua alcunha – quão é devastador o mau uso da riqueza nas nossas vidas! Enquanto, o Evangelho que nunca usa nomes próprios em parábolas, aqui faz uma exceção, o pobre, o mendigo, chama-se Lázaro, o nome do amigo de Jesus, ou seja, todos os pobres são amigos de Deus. Ele, de facto, dá aos pobres aquela atenção que o mundo muitas vezes lhes nega, excluindo-os do consenso social e tratando-os pior que os cães.
“O pobre morreu e foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão; morreu também o rico e foi sepultado na mansão dos mortos, em tormento” (Lc 16, 22-23). Sim, só a morte, aquela “passagem para o outro lado do Caminho” (Santo Agostinho), aquela conhecida como “nossa irmã morte” (São Francisco), une os dois. No entanto, também nela, como afiançaria São João da Cruz, começa o julgamento pelo amor: o pobre “foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão… e consolado” (Lc 16, 22.25), e o rico “foi sepultado na mansão dos morto e atormentado” (Lc 16, 22.25). Ou seja, o pobre está acima e o rico está abaixo: dois extremos da vida além da morte, recompensas pelo que cada um dos dois semeou nesta vida terrena. O profeta Amós diria: “ai daqueles que vivem comodamente em Sião e dos que se sentem tranquilos no monte da Samaria… mas não os aflige a ruina de pobre José” (Am 6, 1a.6).
Reparai bem, queridos irmãos: o rico não foi condenado pelo luxo ou gula. O seu pecado é a indiferença: nem um gesto, nem uma ajuda, nem uma palavra para o pobre Lázaro. É a indiferença, “o exato oposto do amor”, como dizia a Madre Teresa de Calcutá. A menos que ele odiasse o Lázaro, seria um gesto de atenção, mesmo que seja um amor negativo. Isto não aconteceu! E o pobre está à porta da casa e bate e, indiferente, o rico não usa os olhos do coração para abrir a porta (cfr. Ap 3,20). Pois, ao contrário do Bom Samaritano, três gestos estão ausentes da sua vida: ver, parar, tocar (cfr. Lc 10, 25-37). E assim o homem rico e perverso vê seus caminhos transtornados, cava o seu próprio abismo e constrói um muro de solidão: “há entre nós e vós um grande abismo”, diz Abraão (Lc 16, 26).
Caríssimos, o maior mal que podemos fazer, diante de Deus, é negar o bem aos necessitados, se tivermos possibilidade de fazê-lo. A riqueza, ademais, não é sinal da bênção de Deus, e pobreza não é sinal da sua maldição. Na verdade, todos somos pobres diante de Deus e todos precisamos da salvação que vem d’Ele. Ser pobre ou rico não tem nada a ver com isso, o que importa é a escolha que fazemos com a nossa vida enquanto somos ricos ou pobres. No combate da vida, alcançar a meta não depende do acaso, como na loteria; paradoxalmente, nem depende da vontade de Deus, que, respeitando a liberdade humana, mostra a todos o caminho e no final se limita a registar a vontade dos concorrentes.
“Mandes Lázaro à minha casa paterna para que ele previna os meus cinco irmãos a fim de que não venham também para este lugar de tormento” (Lc 16, 27-28). Eis que, para o rico, já é tarde, já não vale a pena se arrepender, nem mesmo querendo salvar os seus irmãos vivos do mesmo destino, pois “eles têm Moisés e os Profetas: que os oiçam”(Lc 16,29), ou seja, a Palavra de Deus. Eles não precisam ver alguém ressuscitar dos mortos para se deixarem convencer e se converter. De facto, mais do que a morte para nos fazer se converter, é a própria vida. Deus é a Vida e está na vida. Quem não colocou o problema de Deus e de seus irmãos diante do mistério magnífico e doloroso que é a vida, nem mesmo se questionaria diante do menor mistério que é a morte.
A estrada, a parábola sugere, é aquela traçada pela Palavra de Deus, que deve ser acolhida e vivida quotidianamente, especialmente no que diz respeito ao uso dos seus bens e atenção reservada aos necessitados. Daí que, ser enviado ao inferno ou ao céu não é por acaso, nem é por uma decisão caprichosa do Supremo Juiz. É uma escolha que deve ser feita aqui e agora. Enquanto ainda temos tempo para mudar alguma coisa, escutemos o que nos diz Paulo: “Tu, homem de Deus, pratica a justiça e a piedade, a fé e a caridade, a perseverança e a mansidão… conquista a vida eterna, para a qual foste chamado” (Tim 6,11-12).
Que o Senhor nos dê a disposição para que nos comprometamos verdadeiramente a escutar sua Palavra e procuremos vivê-la no nosso dia a dia.
Boa meditação e um Santo Domingo a cada um de vós, caríssimos.
JBotelho Pereira